segunda-feira, janeiro 30, 2006

rio 40 graus (publicado originalmente no "Trompe l`oeil... parece aquele, mas não é")

O clima desse Rio de Janeiro é imoral. Esse brilho todo, tanta luminosidade, esse calor que faz a gente tirar a roupa, cada vez mais, pernas de fora, seios à mostra. Tudo sem culpas, tudo legitimado pela impossibilidade total de viver com mais alguns centímetros de tecido nesse calor desumano.

Não adianta querer tampar o sol com a peneira. E às 2 da tarde, nem com guarda-sol é possível uma sombrinha satisfatória, quanto mais usando uma peneirinha, que aliás ficaria muito melhor se servisse pra coar um suquinho de abacaxi com hortelã ou, ainda, pra tirar os carocinhos de um suco de limão para uma caipirinha. Até porque, sem esses pequenos e indispensáveis luxos da vida carioca, diria que esse calor senegalesco (amo essa expressão, já secular, que me soa tão poética quanto eloqüente, a um só tempo) seria de matar. Literalmente. Que sem uma caipirinha, um suquinho, uma cervejinha, uma prainha, uns beijinhos, um amorzinho, ninguém pode passar um verão. Pelo menos um verão decente. Ou indecente, dependendo da altura da saia, claro.

O que eu quero dizer é que fica sempre parecendo injusto alguém trabalhar em dias com temperatura na casa dos 40, com um céu tão azul, uma luz tão branca e um calor tão vermelho. Como podemos nos concentrar em tarefas corriqueiras, como pagar contas, cuidar de burocracias mil, com esse ar de férias, com essa alegria flutuando pelas nossas vistas, com tantos sorrisos e bronzeados sendo desfilados pela rua? Ficamos sempre com aquela sensação que falta um evento de celebração no dia. O evento de fechamento, de ode a tanta beleza, tanta natureza, tanta falta de respeito por você trabalhador. Porque é uma puta falta de respeito fazer sua imaginação trabalhar, pensando na areia, em bundas, em cerveja na praia. E depois do sol se pôr, pensar em todos os bares cheios, tantas pessoas bem sucedidas, tantos chopps e sorrisos abertos e amigos, tantos abraços, tantos corpos dourados, suavemente perfumados pela maresia e pelo calor dessa cidade irresponsável.

A verdade é que não temos muito o que fazer. Uma boa opção seria a mudança definitiva, dos mais descontentes, para a Sibéria ou para o Alasca, quem sabe. Mas para a maioria esmagadora de nós, que reclama pelo habito de reclamar mesmo, porque não consegue ficar numa fila de banco se falar mal do governo ou do tempo, quer dizer, das coisas que, teoricamente, não nos dizem respeito, que estão fora da nossa jurisdição, fora do nosso poder de voto, para nós, reles mortais, resta aceitar a benção e maldição de viver “num país tropical, abençoado por deus e bonito por natureza”. Resta aceitar que, para se poder ter uns momentos de prazer extremo no fim de semana, ou ainda, uma vez por mês, tem-se que abrir mão de algumas coisas, como conseguir usar roupas normalmente sem sofrer, poder ser atendido por funcionários públicos mais ou menos suados sem ser xingado, pegar um ônibus que não te jogue para-brisa à frente, enquanto sua coxa e seu braço colam, suados, no assento impermeável do coletivo. É assim. Em compensação você pode tomar chopp à noite, na Cobal do Humaitá, por exemplo, em qualquer dia da semana, durante todo o verão, e encontrar milhares de pessoas, conversar com pelo menos meia dúzia e, se você for do time dos solteiros, a possibilidade de conseguir pelo menos um amor de verão é de 557%, o que é um prognóstico pra lá de excelente.

Partindo daí talvez possamos entender alguns pontos da vida carioca. Podemos notadamente perceber que estamos tratando de um povo muito social. Mas, que os desavisados não se enganem, estamos falando de uma sociabilidade da porta de casa pra fora. Não que o carioca não receba em casa. Ele faz isso sim de vez enquando. E quando o faz é geralmente com louvor. Mas o hábito reinante são os encontros sociais fora de casa, num espaço democrático, num espaço comum a todos os envolvidos. Em conversa recente com meu Namorado Gringo (que além de gringo e apaixonado pelo Rio é um agudo observador dos hábitos e da cultura) estávamos justamente falando sobre esse tipo de comportamento. É claro, nisso concordamos, que é muito mais fácil ser social em um ambiente externo, fora do seu habitat, longe dos seus domínios pessoais e íntimos. Mas nossa concordância termina aí. NG aposta que é justamente por causa dessa facilidade em “afastar” as intimidades que o carioca elegeu o ambiente externo como o habitat para encontros sociais. Aliado a isso, estaria a nossa eterna crise econômica. Muito mais fácil encontrar com amigos num bar, por exemplo, e a conta ser rachada, do que receber em casa, bancando um jantar, bebidas, etc.

É aí que eu discordo. Primeiro porque sou carioca, nascida e criada nessa cidade indecente porém maravilhosa, me dando uma possibilidade de falar do lado de dentro da questão. Segundo porque também sou uma boa observadora social, tendo anos de estrada nesse quesito aqui no Rio de Janeiro. E posso dizer que o carioca é um cara geralmente gentil, solidário, amigo. Logo, apesar dessa aparente frieza nos relacionamentos, com essa vida social efetivamente externa, afastando as pessoas do que chamariamos de um convívio realmente intimo, posso afirmar com toda a certeza que me é permitida na alma, que os encontros são em lugares públicos, geralmente ao ar livre, simplesmente porque é impossível permanecer em um ambiente fechado com uma temperatura tão elevada. Nós, cariocas da alma e da gema, nos coçamos, ficamos impacientes, deixamos escorrer um fio de baba do canto da boca, se precisamos ficar confinados entre quatro paredes durante o verão. Salvo exceções, (como a célebre cochilada depois da praia, metido num quarto com ar condicionado polar) o carioca vai sempre preferir o ar livre, janelas abertas, chopp gelado, falatório. E ainda a possibilidade de sempre poder admirar uma perna, um sorriso, um bronzeado. Tanto melhor se não precisar lavar a louça do jantar e a conta ainda for rachada!!

doente sim... mas do nariz ou da cabeça? (publicado originalmente no "Trompe l`oeil... parece aquele, mas não é")

Ainda no assunto "doente" (seguindo imperiosamente minha tendência totalmente obsessiva compulsiva), não poderia deixar de registrar aqui um momento, digamos, traumático, da minha relação com Tomzinho.

Como já está sabido por todos que andaram dando uma olhadinha nos posts anteriores, estou doente de pedra, de dar dó, de não dormir à noite com crises e crises de tosse convulsiva. Mas, o que precisa ser muito bem esclarecido e lembrado aqui, é que não durmo sozinha, estando sempre (ou quase sempre) acompanhada do meu maridão Tomzinho.

Pois bem, o ponto é justamente esse. Se eu não durmo tossindo, o pobre coitado não dorme com minhas tosses. Isso desencadeou algumas conseqüências por aqui. A primeira, sendo Tom um cara objetivo e prático, foi ele sair para o sofá da sala, a fim de conseguir algumas horas de sono mais tranqüilas. A segunda conseqüência foi eu me sentir extremamente sozinha na cama e ir atrás dele por causa disso. Claro que, levando em conta as minhas neuroses, meus (inúmeros) sentimentos de culpa, minha eterna briga com o superego, ao me deparar com um homem de um metro e oitenta espremido num sofá de um e quarenta, me senti a pior e mais cruel das mulheres por tossir, por não deixá-lo dormir e, como conseqüência, expulsá-lo da cama. Por outro lado me senti abandonada, não-compreendida, injustiçada, humilhada até. Como não podia deixar de ser, mandei ele voltar pra cama e num ato heróico, de mártir mesmo, disse que eu ficaria no sofá aquela noite pra ele poder dormir.

Mas, meninas de plantão e leitores masculinos, o que nós realmente esperamos é que nossos homens sejam mais heróicos do que nós. Que eles insistam, que nos deixem no conforto e aplaquem a nossa consciência pesada. Tudo numa única tacada. Bem, pelo menos era isso o que eu esperava. Trocando em miudos, eu não queria o dedo do meu superego enfiado no meu olho e ainda queria um chamego, uma compreensão extra, uma proteçãozinha.

Mas recebi a seguinte resposta à minha proposta de EU dormir na sala:

- Ok.

E lá voltou ele pro quarto de mala e cuia, edredon e travesseiros embaixo do braço. Fechou a porta e pronto. Lá fiquei eu com tosse, metida a heroína, arrasada, tendo como companhia um superego que gargalhava das minhas segundas (e condenáveis) intenções. Pra completar o quadro, lágrimas nos olhos, soluços e uma noite que parecia que nunca mais teria fim.

Felizmente, teve fim. E nem demorou tanto. Claro que eu só dormi depois que o corpo desmaiou por vontade própria. Isso também fazia parte da martirização, agüentar os olhos abertos, ardendo, o corpo cansado.

No dia seguinte tivemos uma DR (para quem ainda não conhece a expressão batizada por nosso amigo, escritor e psicanalista Francisco Daudt, DR quer dizer Discutir a Relação), essa coisa chata que casais de vez enquando têm e que, geralmente, eu abomino. Mas, tive que falar alguma coisa. Afinal, como ele poderia entender meu mau-humor tumular, as faíscas de raiva dos meus olhos e aquela cobrança surdo, velada, que nós mulheres somos especialistas em fazer? Na verdade é tudo uma puta de uma sacanagem, afinal quando fiz a pergunta a ele, não disse que tinha uma resposta certa a ser dada. Não disse que era um teste. Como, cacete, ele poderia advinhar?

Enfim, a DR foi a maneira encontrada pra desabafar, esclarecer as coisas, limpar a minha e a barra dele. Por sorte pouquíssimos dias depois eu tinha análise e é claro que esse foi assunto certo na sessão. O que ficou também muito claro, é que lá dentro dessa coisa chamada cérebro que tenho (ou acho que tenho) aqui dentro da cabeça, separação pra mim tá intimamente ligada a rejeição. Se não vai ficar comigo, é porque me odeia. Simples assim. Talvez meus pais tenham me tirado da cama deles quando meu irmão nasceu. Talvez tenham me dito: "não gosto mais de você porque seu irmãozinho é mais bonito. Ele que vai dormir agora conosco". Sei lá. O fato é que a associação foi (e ainda é) imediata.

Bem, o que me dá uma esperançazinha é que já consegui falar a respeito. Já consegui teorizar a "coisa". Claro que ainda não tá tudo bem, né? Ontem Tom foi caminhar nas Paineiras e eu fiquei em casa (por causa da maldita sinusite) e, pasmem porque é verdade, quando ele fechou a porta e saiu eu comecei a chorar (!!!!!). Me senti sozinha, abandonada, bla bla bla. Etc etc etc. Tudo aquilo de novo. Mas, como já tinha dado uma ligeira racionalizada na situação, abri uma cerva gelada, fiz uma pipoca e me postei na frente do computador que vos fala. Escrevi, ri, consegui esse blog novinho em folha (mas com idéias antigas, cheiasss de naftalina), enfim, vivi a vida, deixei meus pulsos intactos e corri pro abraço.

À noite, parece sacanagem, mas tive outras crises de tosse e lá fui eu pra sala outra vez. Só que dessa vez eu abri o sofá cama e dormi numa cama (quase) decente. Claro que fiquei ainda fula da vida. Claro que senti falta do quentinho dele encostado em mim. Claro que, em contrapartida, morri de calor longe do ventilador. Dormi pouco, dormi de uma maneira meio chata, acordei mal-humorada (bem, isso é coisa mais ou menos rotineira), muda, mas sem grandes frustrações. Depois disso tudo me resta acreditar. Necessito acreditar em algo maior que eu. Preciso acreditar que:

* primeiro - mais cedo ou mais tarde vou aprender a lidar bem com separações e com medos de rejeições.

* segundo - alguma hora, ainda nessa encarnação, vou parar de produzir meleca, de tossir à noite e vou voltar a ser uma esposa normal, daquelas que não incomodam o marido à noite, não fazem barulho (salvo exceções... uma mulher muda na hora da transa não é legal não), não precisam dormir na sala, não compram caixas de lenço de papel no atacado e, principalmente, conseguem respirar tranqüilamente durante o sexo oral. Que sexo oral com nariz entupido é tarefa árdua, difícil. Voltando ao princípio do post, diria heróica.

domingo, janeiro 29, 2006

doente 5 (publicado originalmente no "Trompe l`oeil... parece aquele, mas não é")

Eu fui ao médico sim. Duas vezes. A primeira vez com, mais ou menos, uma semana de doente. Fiz exame de sangue e tudo. Nada de bactérias, nada de infecções, nada de antibióticos. Fiquei tomando uns remedinhos básicos, descongestionantes, antitérmicos, xaropes. E nada de ficar boa.

Como eu já estava ficando com umas olheiras que chegam na bochecha (de tanto tossir à noite, não consigo dormir) e meu humor anda, digamos, sombrio, resolvi (Tom resolveu mais do que eu) que era hora de voltar ao médico. Acabei parando na emergência do Hospital Silvestre (hospital aliás em que recentemente fiz um plano de saúde, o que só posso agradecer a deus e, pricipalmente, meu adorável, espetacular e incrível marido). Lá, como já era de se esperar, me furaram outra vez. Além disso, me viraram do avesso com algumas radiografias da face e do pulmão. As radiografias estavam quase perfeitas, excetuando uma minúscula sinusite. O exame de sangue acusou infecção. Provavelmente o que estava me deixando tão mal.

Juro que fiquei feliz com a notícia da bactéria, afinal eu não sou tão maluca assim, somatizando tudo. Finalmente iria tomar um remédio de verdade, um antibiótico porrada que derrubaria esses bichinhos infernais que me tiravam, literalmente, o sono. E assim foi. O antibiótico é tão tão porrada que era só pra tomar três dias. Ainda bem, porque a dor na barriga que senti foi realmente um sopapo na boca do estômago.

Mas eis que, 3 dias depois, tendo finalizado todo o (carésimo) antibiótico, a produção de meleca continua e anda batendo recordes. A dor de cabeça idem. A dificuldade em dormir também. Tô começando a ficar com medo de câncer, sei lá. Ou alguma doença rara, dessas que são tão difíceis de aparecer que só se conhece de livro. Conseqüentemente os médicos só vão pensar nela quando você já está em coma, na UTI, nas últimas, teu namarido ligando pro cemitério do Caju (ui!) pra encontrar uma vaguinha pra você. É o desespero batendo na minha porta.

Tô pensando em apelar pra um terreiro. Ou subir Penha de joelhos. Ou, quem sabe, não tem um laboratório de pesquisas interessado em comprar meleca por atacado?

doente 4 (publicado originalmente no "Trompe l`oeil... parece aquele, mas não é")

Quem me conhece há algum tempo, já deve saber que comer dobradinha não é comigo. É uma coisa assim de pele, simplesmente não bate.
Acho que não tenha nada que eu deteste tanto quanto dobradinha, mas ainda tenho alguns outros alimentos (alimentos pra quem come, claro) que também não me caem lá muito bem. Listo alguns: jaca, pimentões crus, açaí, cupuaçu, figado (de qualquer animal), ovas variadas. E por aí vai. Alguns desses itens são proibitivos, sob pena de causarem verdadeiros rebuliços estomacais, semelhantes a tsunamis da pior espécie.
Bem, tudo isso pra ilustrar o meu estado de desespero e vontade de ficar boa. Estou num ponto que se me dissessem que batendo tudo isso no liquidificador (irchhh), para beber em seguida, sem fazer cara feia, eu ficaria boa, toparia no ato. E ainda lamberia os beiços.
Alguma receita (verdadeiramente) milagrosa?

doente3 (publicado originalmente no "Trompe l`oeil... parece aquele, mas não é")

Já sei, já sei: BLARGHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH

doente2 (publicado originalmente no "Trompe l`oeil... parece aquele, mas não é")

Se eu tivesse ganhando alguma coisa vendendo, exportando ou cedendo minhas secreções para estudo, tava milionária.

Nunca na vida tive uma produção tão eficiente, abundante e ágil de meleca. É expulsar e nasce tudo de novo. Uma beleza.

doente (publicado originalmente no "Trompe l`oeil... parece aquele, mas não é")

Tô doente desde o dia 1º de janeiro desse recém iniciado ano. E para a duração de uma gripe/alergia/sinusite esse início de ano já não me parece tão recente assim. Na verdade sinto como se eu nunca na vida tivesse sido saudável. Como se eu nunca tivesse respirado decentemente. Um mês equivale assim como uma eternidade. Equivale quase a um "pra sempre".
Isso só vem mostrar como o tempo pode ser relativo. A gente já tá careca de saber disso. Quando temos 9 anos e queremos fazer 15, demora uma eternidade. Depois que chegamos aos 30 a aceleração é impressionante. Bem, nenhuma novidade nessas palavras pra lá de batidas. Mas, como sempre, consigo ainda me surpreender com as coisas mais imbecis e óbvias. E estou surpresa como o tempo custa a passar, como esses momentos de sofrimento nasal parecem intermináveis e perpétuos. Meu reino por um remédio de nariz, por um desentupidor de pia, um rotorruter, uma soda cáustica...

blog novo...contra a minha vontade, mas fazer o quê...

Amigos, por motivo de força maior estou criando um novo blog. Na verdade não é muito novo, é só um novo endereço, mas as idéias são velhinhas, velhinhas...
Não que eu quisesse um novo endereço, mas o macintosh que uso agora pra escrever e me conectar à internet resolveu encrencar com o site do Blogspot. A conclusão é que só consigo me logar e postar alguma coisa nesse endereço aqui de um outro computador, fora de casa o que, venhamos e convenhamos, atrapalha bastante a vida.
Assim sendo está aqui o endereço novo:

quarta-feira, janeiro 25, 2006

ouro preto


Era sábado e a próxima quarta-feira seria dia dois de novembro. Como todo mundo sabe, dia dois de novembro é Dia dos Mortos. E é também feriado católico e, conseqüentemente, nacional (tem suas vantagens viver no maior país católico do mundo). Dia sempre nublado e com chuva, como dita a tradição e crendice popular. Ótima desculpa pra viajar e conhecer algum lugar novo onde, por via das dúvidas, possa se curtir uma chuvinha e um clima fresquinho. Porque a gente não leva muito a sério essas crendices mas, como não sou boba nem nada, fico prevenida e de guarda-chuva a postos.

Passamos o fim de semana inteiro pensando em o que fazer, como gastar o tempo, tão precioso, numa viagem gostosa e despretensiosa. Meu adorável Namorado Gringo, que chega a ser irritante do tanto que já conhece o Rio de Janeiro e o Brasil, me disse que já tinha ido a Ouro Preto e que adoraria ir outra vez, visitar suas inúmeras ladeiras históricas, seus prédios seculares, suas igrejas douradas e estonteantes. Um lugar perfeito para grandes caminhadas, para uma overdose de história, pra curtir um friozinho (se ele chegasse), pra um jantar a luz de velas, enfim, uma viagem pra turista nenhum botar defeito. E nesse caso, a turista era muito mais eu do que ele.

Como minha sessão de análise nessa semana era na segunda-feira pela manhã, e eu fiz o favor de não desmarcar, passamos o sábado e o domingo fazendo uma pequena pesquisa atrás de pousadas e de preços de passagens, assim como dos horários de saída dos ônibus da Rodoviária Novo Rio. A intenção era zarpar logo após a sessão. Na segunda-feira de manhã já sabíamos que a única empresa que faz o trajeto Rio de Janeiro – Ouro Preto é a Útil. Eles possuem apenas uma saída diária, por volta das 22:00 ou 23:00 horas. O que nos desperdiçaria um dia inteiro esperando a hora de embarcar. Chegaríamos lá por volta das seis da manhã de terça-feira, sabe-se Deus em que condições físicas, depois de uma noite inteira de viagem. Foi aí que tive a idéia pouco usual: ir para Belo Horizonte (com vários ônibus saindo diariamente da Novo Rio) e de lá pegar um outro ônibus para Ouro Preto (com várias saídas diárias também). Aumentaríamos nossa viagem em aproximadamente 3 horas, mas pouparíamos um dia inteiro.

Meu Namorado Gringo (e doido) topou na hora. Tive que arrumar a mala mais rápida da minha vida, já que eram 9:45 da manhã e nosso ônibus, com destino a Belô, sairia às 11:05. Tomar banho nem pensar! Voamos (quase literalmente) até a estação do metrô de Botafogo. Continuando a correr, saltamos na estação Estácio e nos enfiamos no ônibus da integração metrô que nos levaria até a Rodoviária Novo Rio (claro que seguindo a imperiosa lei de Murphy, o motorista desse ônibus, indo de encontro a todas as tradições cariocas de “Ayrton Sennas” conduzindo os coletivos pela cidade, era uma lesma, lia jornal -!!!- quando parava nos sinais vermelhos, esperava as pessoas entrarem calmamente e por pouco não levantei pra dar-lhe uns sopapos). Na rodoviária a correria continuo por uns 100 guichês até conseguir achar o certo pra comprar as passagens. A Rodoviária Novo Rio sempre me dá a sensação de um aglomerado desorganizado e irregular de empresas sem qualquer tipo de ligação entre uma e outra, ou seja, uma feira livre de venda de bilhetes de viagem. E com pressa, correndo como uma louca, bolsas à tira colo, a confusão pode ser sensivelmente potencializada e quase desesperadora.

Chegamos na plataforma de embarque às 11:00. Cinco minutos antes da saída do ônibus. Uma vitória da persistência, da teimosia, da força-de-vontade de viajar de dois seres humanos, sobre os indícios óbvios de que não daria tempo nunca. Mas deu. Sorte a nossa. Com isso nos acomodamos felizes em nossas poltronas. Separadas, claro. Mas podíamos tocar as mãos, atravessando romanticamente os braços pelo corredor de passagem do ônibus. Uma delícia!

O motorista faz uma única parada em Juiz de Fora para almoço. Isso acontece mais ou menos no meio da viagem. Não preciso nem dizer que, devido à nossa pressa enlouquecida pré-embarque, não passamos no banco pra pegar dinheiro. Mas isso era algo que não nos preocupava já que onde, diabos, não se aceita cartão de débito hoje em dia? Bem, respondo: a parada de ônibus de Juiz de Fora NÃO aceita cartões. De nenhuma espécie. Nem cheques. Isso nos limitou a um almoço pago com moedas e trocadinhos que eu trazia na bolsa. Algo como uns 7 ou 8 reais. Pros dois. Optamos por hambúrgueres com salada e queijo (um pra cada um), acompanhados de uma garrafa de água gasosa pros dois. Os sanduíches eram honestos, tendo feito um bom efeito em nossos humores. Deu pra agüentar com louvor o final da viagem, recheado de cochilos intercalados com ave-marias. As orações eram uma tentativa de me manter zen, mesmo frente a um acidente muito feio, envolvendo três caminhões (que nos deixou parados na estrada durante 45 minutos), conseqüência óbvia de uma serração terrível, onde não se via um palmo na frente do nariz.

A Rodoviária de Belo Horizonte é sensivelmente mais moderna e organizada do que a Rodoviária Novo Rio e, apesar dos meus medos neuróticos de ficar sem dinheiro a viagem toda, é claro que você consegue um caixa eletrônico do seu banco pra tirar dinheiro. Mas você não consegue comprar o bilhete com cartão. Só com dinheiro vivo, o que é bem estranho. Nosso lanche também foi feito com dinheiro, já que a lanchonete, obviamente, não aceitava cartões. Tudo bem para um bom e barato lanche. Comemos pão-de-queijo (especialidade de Minas, como todo mundo já sabe), café, suco, pastel-de-forno. Valeu a pena.

Compramos bilhetes pra sair dentro de 15 ou 20 minutos. O ônibus de ida para Ouro Preto era bem diferente do de ida para BH. O primeiro contava com ar condicionado, poltronas com apoio para as pernas, visão panorâmica da estrada. Um luxo só. Já o para Ouro Preto se assemelhava mais a um ônibus urbano, meio velho, pouca manutenção. E parando em vários pontos dentro e fora da cidade. Ele pega passageiros durante todo o trajeto. Aliás, abrindo um pequeno parêntese, eu nunca tinha estado em BH e pude ter uma ótima impressão nessa ínfima meia hora de “passeio” do ônibus pela cidade. É uma cidade limpa, com cara de organizada, arborizada, gostosa mesmo. Tem um ar de cidade nova (e realmente é! Dando uma breve verificada na história, podemos constatar que a cidade foi fundada em 1897, o que dá pouco mais de 100 anos de vida). Acho que vale a pena uma volta exclusiva à cidade.
A chegada a Ouro Preto aconteceu por volta das 22:00, em meio a uma atmosfera meio mágica, meio encantada, com uma neblina tão espessa, tão esbranquiçada, que eu tinha a impressão nítida que esbarraria com um elfo ou com um duende na próxima esquina. Muito gostoso.

Na rodoviária um motorista de táxi nos ofereceu a corrida até a pousada por 7 reais (os táxis de Ouro Preto não têm taxímetro, então as corridas são combinadas “de boca”). Felizmente recusamos e pegamos um ônibus em frente à estação por 1 real cada um. Saltamos a 300 metros da Pousada Ouro Preto. Já tínhamos, durante o fim de semana, ligado para a pousada e nos informado sobre preços das diárias e do que era oferecido. A princípio teríamos uma diária de 120 reais mas, por telefone ainda, fui informada que uma negociaçãozinha básica podia rolar. Conclusão: “para nos tornarmos clientes assíduos” conseguimos uma diária de 90 reais, com direito a café da manhã e chá à tarde. O quarto é limpo, aconchegante e bem arrumado e a localização da pousada é ótima. Vale a dica.

Tomamos um bom e revigorante banho quente, trocamos as roupas fedidas por outras frescas e cheirosas e saímos atrás de uma refeição decente, a primeira de verdade do dia. Em Ouro Preto achar um restaurante é brincadeira de criança, já que eles estão estabelecidos às pencas no centro da cidade. O difícil é encontrar um restaurante barato e que não tenha música ao vivo. Aliás, sem música ao vivo é virtualmente impossível. Acabamos entrando num restaurantezinho, especializado em massas, num porão de um sobrado charmoso (Observação redundante. Todos os sobrados em Ouro Preto são charmosos), chamado Spaghetti. Claro que tinha música ao vivo, condição obrigatória pra um restaurante funcionar na cidade. Mas era estilo “um cantinho, um violão”, uma musiquinha light que não ocupava espaço em nossa atenção e ouvidos. Perfeito. A comida é muito bem servida e gostosa. Como não sabíamos, pedimos dois pratos de massa com molho de gorgonzola. Mas um prato teria sido suficiente para os dois. O pecado do restaurante foi a demora. Nessa nossa primeira vez esperamos quase 40 minutos (!!) para conseguir comer. Depois de algumas reclamações, exclamações de descontentamento e de eu quase devorar a dentadas a toalha da mesa, a comida chegou e podemos nos fartar. Gostamos tanto que virou o “nosso restaurante”. Aquela coisa dos três Bs – Bom, Bonito e Barato. Voltamos todas as noites.

Dormimos o sono dos justos e dos viajantes. Sono de pedra. O que foi ótimo pra repor as energias. Energias essas que seriam gastas em nossas tarefas e atividades obrigatórias de turistas do dia seguinte. Ouro Preto tem 18 igrejas. Um monte de museus. Algumas minas. Incontáveis ladeiras e prédios históricos. Todos eles têm que ser visitados. Todos têm que ser fotografados.

Começamos nossa peregrinação turística pela Igreja de Santa Efigênia, que fica num dos pontos mais altos de Ouro Preto. Foi lá que eu (uma turista ainda amadora, aprendendo em curso intensivo com meu Namorado Gringo como ser uma turista de verdade) me surpreendi com o quanto se pode gastar visitando igrejas. Todas as visitas são pagas, com valores que variam de 1 a 5 reais. É legal ficar atento aos passeios “casados”, pagando-se a entrada de dois lugares ao mesmo tempo. Assim ganha-se algum desconto, economizando um pouquinho, e te “obriga” a realizar todo o percurso turístico.

A verdade é que eu nunca, em toda a minha vida, visitei tantas igrejas. Podemos apreciar inúmeros ornamentos barrocos, altares com uma quantidade absurda de detalhes entalhados em madeira, entre anjos, santos, inscrições, símbolos católicos... são tantos detalhes que fica impossível aos olhos humanos apreender todas as imagens, todos os significados. O chato é que, por motivos louváveis de preservação do patrimônio histórico (e também por causa dos direitos de uso das imagens), não se pode tirar fotografia em 99% das igrejas e museus. Os únicos lugares permitidos são justamente os que já tiveram seus interiores alterados e que conservam muito pouco da decoração original.

Fica difícil se concentrar e guardar na memória os detalhes de uma ou outra igreja, mas confesso que ao entrar na igreja do Pilar, com centenas de quilos de ouro e prata na decoração, com uma suntuosidade inesperada, quase opressora, com uma riqueza e variedade de detalhes, formas, esculturas, é possível se emocionar às lágrimas. Foi assim comigo. Mesmo eu que não sou católica e que tampouco me emociono com facilidade, abracei meu Namorado Gringo e chorei de soluçar. Impressionante.

Claro que esse foi o ponto alto do primeiro dia de visitas. Mas tivemos outros pontos deliciosos no dia. Além dessas igrejas, tivemos no museu Aleijadinho, nas igrejas de S. Francisco de Assis e de Paula, Nossa Sra do Carmo, museu da Inconfidência, na antiga estação de trem de Ouro Preto (uma típica construção do séc. XIX, estilo art nouveau, como a grande maioria das estações de trem desse período). Ufa! Aja sola de sapato e pernas, já que todo o caminho é percorrido a pé, subindo e descendo ladeiras. Aliás, descendo a ladeira de Sta. Efigênia, olho pro lado e lá está o Namorado Gringo descalço, sem sapatos, caminhando em contato total com as pedras coloniais, com as energias seculares de Ouro Preto. Juro que fiquei feliz e orgulhosa de ter um namorado tão antenado com as forças esotéricas, tão maluco-beleza. Ai, ai. Pra variar, redondamente enganada. Ele tirou as havaianas pra não se estabacar nas pedras polidas da ladeira super íngreme. Já tinha tomado uns dois escorregões e, como seguro morreu de velho e de guarda-chuvas, arrancou logo os chinelos. Sou uma romântica incurável mesmo. Que decepção.

Mais uma noite com muita neblina, com temperaturas baixas, um apetitoso jantar no Spaghetti (dessa vez com um prato só pros dois e sem a demora absurda do primeiro dia), um drinque delicioso feito de cachaça no Bar do Beco e voltei para a pousada flutuando, de braço dado com meu Gringo, caminhando lenta e preguiçosamente. Me preparando para mais um dia de agitação em Ouro Preto.

Acordamos com disposição pra encarar o restante da jornada. Tínhamos já programado uma ida a Mariana, a primeira cidade a ser fundada em Minas Gerais e que está a poucos quilômetros de Ouro Preto. Visita obrigatória.

A ida a Mariana é fácil e linda. Pega-se o ônibus no centro da cidade, e percorre-se 15 minutos de estrada descendente na beira do vale onde corre o rio que abastece as cidades. As vistas das montanhas, da vegetação, das pedras, das quedinhas d’água ao longe são impressionantes.

Ao chegar em Mariana tivemos a sorte de ouvir o órgão da igreja da Sé sendo tocado. Esse é um órgão alemão, da primeira metade do século XVIII, feito por Arp Schnitger, o maior construtor de órgãos de sua época. Para eu poder entender a importância da existência desse órgão aqui no Brasil e, principalmente, em Mariana, meu Namorado Gringo (que além de doido e aventureiro é também musicista) fez uma comparação: é quase o mesmo do que ter um Leonardo da Vinci escondido em uma cidadezinha do interior de Minas. Inacreditável.

Por causa do feriado e do dia chuvoso encontramos Mariana bastante vazia, com praticamente todo o comércio fechado. Podemos caminhar tranqüilamente pelas ruas da cidade, que mantêm seu calçamento original, de pedras polidas e gastas, o chamado pé-de-moleque. No entanto, apesar da originalidade das ruas, muito foi perdido da arquitetura original da cidade. As igrejas, tão bonitas por fora, já estão completamente modificadas por dentro, podendo-se apenas perceber num detalhe ou outro a magnificência dos tempos idos. Uma pena.

Paramos pra almoçar no restaurante Rancho, um dos únicos estabelecimentos abertos nesse feriado em Mariana. O restaurante fica bem no centro da cidade e serve uma comida típica mineira, com tutu, lombo, carré, lingüiça, etc. Tudo por um preço único, 12 reais por pessoa. Na sobremesa, doces em compota, doce de leite, goiaba com queijo. As bebidas e sobremesa são cobradas à parte, claro. Mas o preço é honesto e a comida bastante gostosa. Vale a dica.

De volta a Ouro Preto aproveitamos pra caminhar por ruas ainda não exploradas e para visitar a Mina de Chico Rei, uma das minas de ouro mais importantes da cidade. Você paga 5 reais para entrar na mina e o uso de capacete é obrigatório. A princípio eu e meu Gringo, com os espíritos sempre rebeldes e contestadores, achamos totalmente chato e desagradável aquelas coisas em nossas cabeças. Mas ao entrar na mina podemos entender a obrigatoriedade do uso. É impossível não bater com a cabeça. E isso não é uma ou duas vezes, mas inúmeras pancadas. O suficiente para se parar no hospital com ferimentos. O teto da mina é muito baixo e irregular. Além disso, a iluminação é quase inexistente o que faz com que não tenhamos noção exata das distâncias, de onde colocar o pé e, principalmente, de onde colocar a cabeça. Confesso uma sensação estranha em caminhar pelos túneis úmidos e escuros. Um sentimento claustrofóbico foi praticamente imperioso, principalmente ao imaginar os milhares de escravos que devem ter trabalhado e sofrido naquele lugar, passando dias e dias sem ver a luz do sol. É um lugar interessante de se visitar, diria imperdível, mas o meu alívio foi imenso quando sai da mina. Ver a claridade foi um bálsamo!

Depois disso, caminhamos pelas ladeiras preguiçosas da cidade. Já havíamos cumprido todo o percurso turístico obrigatório. Passeamos por lugares não idos anteriormente, prestando atenção aos detalhes das construções. Esse é um exercício delicioso para se fazer em Ouro Preto. Admirar as características arquitetônicas de um período antigo e rico, muito rico. Talvez o único lugar do mundo onde, durante algum tempo, a prata tinha mais valor do que o ouro. Isso pela abundância com que o ouro era encontrado em suas inúmeras minas. Impressionante.

A nossa volta seria direta. Resolvemos pegar o ônibus que saia às 22:00 de Ouro Preto com destino ao Rio de Janeiro. Viajaríamos toda a madrugada e, com sorte, dormiríamos e não sentiríamos às 7 horas e tal de viagem. Passamos no meio da tarde na rodoviária e compramos nossos bilhetes. Decisão muito acertada, aliás. O único ônibus que sai normalmente de Ouro Preto com destino ao Rio já estava lotado, devido ao feriado prolongado, e um ônibus extra foi disponibilizado com saída 5 minutos depois do primeiro. E esse segundo ônibus já estava com boa parte dos lugares preenchidos. Se não tivéssemos ido, provavelmente teríamos perdido esse também.

Por volta das 7 da noite, pegamos nossa (parca) bagagem na pousada e rumamos para o “nosso restaurante” Spaghetti. Jantamos calmamente, trocando impressões sobre a viagem. Em uma mesa vizinha à nossa, um casal falava inglês. Como meu Namorado Gringo não agüenta, puxou papo, perguntando de onde eram, se queriam ajuda, etc. Era um jovem casal de namorados ingleses que pegariam o mesmo ônibus que nós para o Rio. Foi uma boa companhia e conversa até a hora de embarcarmos.

O ônibus saiu britanicamente na hora. A viagem é muito cansativa, já que ele vai parando em várias cidades. É impossível dormir, mesmo que já se esteja a ponto de desmaiar de sono e cansaço. A parada na rodoviária de Barbacena é a pior, pois entram muitas pessoas, tem muito barulho e essa movimentação toda demora vários minutos. Chegamos ao Rio por volta das 5 horas da manhã, a cidade molhada depois de uma madrugada inteira de chuva. O clima era fresco e gostoso, a cidade acordando para um novo dia, o céu vagarosamente clareando. Pegamos o ônibus da integração metrô até a estação Estácio e depois o metrô até Botafogo. Apesar do cansaço da noite mal dormida (ou não dormida), caminhamos da estação do metrô até em casa com sorrisos nos lábios. Sem pressa. Saboreando as lembranças, os detalhes presos na memória. O cheiro de história entranhado em nossas peles, em nossas roupas. E um grande orgulho em viver e em fazer parte desse país incrível chamado Brasil.