quarta-feira, agosto 31, 2005

armadilhas do léxico

Sei que minha mente não é um poço de pensamentos puros e inocentes. Muito pelo contrário. Reconheço minha tendência natural ao duplo sentido, aos trocadilhos de baixo calão, às sacanagens assumidamente escrachadas.

Mas existem palavras nessa nossa língua com fonemas absurdamente indecentes. Como não ser automaticamente remetido a devaneios de teor sexual e surubístico?

Pense no seguinte diálogo:

- Amorzinho, a gente tem divido tudo, né? Mas tem uma coisa que a gente não fez até hoje juntos e tô doido pra fazer contigo... acho que você adorar!

- hummm... já tô curiosa!! Fala, fala!! O que é?

- Não se assuste... É serigüela... quero que você prove comigo serigüela... a gente pode fazer de várias formas diferentes, o que acha?

- Ai, me dá até água na boca... mas, assim, tô com medo... e se eu não gostar? Lembra daquela vez que a gente fez taperebá em casa? Não foi uma boa experiência... fiquei com dor alguns dias...

- Ahhh, confia em mim... tudo bem que taperebá você não tenha gostado, mas ainda acho que você desistiu muito fácil, que é só uma questão de hábito, de ir se acostumando devagarinho... mas você preferiu logo mudar pra camu camu... você lembra que antigamente você também não curtia camu camu?? fui eu que fui te acostumando aos pouquinhos, com a maior paciência!!

- Você também me pressiona... essas coisa têm que ser assim com calma, por gosto, não por obrigação... fui eu que quis experimentar pau-rosa!! Você ficou de queixo caído quando eu disse que queria pau-rosa!!

- Foi mesmo... humm... nem me lembre!! aquela foi uma das melhores surpresas que você já me fez!! ai, vamos logo, vamos?? quem experimenta serigüela comigo nunca esquece e nem se arrepende...

- Ahhhhh!!!! Então quer dizer que eu não sou a primeira, né? Seu safado!! Aposto que você oferece serigüela a todas!! Vai tomar cupuaçu!!

quinta-feira, agosto 25, 2005

viagem de trem a vila inhomirim


Sofro de um mal que acomete boa parte dos cariocas: o tédio cultural. É quando a gente acha que todas as nossas opções de bons programas acabaram. Estamos sempre com aquela sensação de "já vimos tudo o que tinha pra ver", "não tem nada pra fazer". E quando tem algo muito interessante geralmente esbarramos num problema comum à grande maioria do povo brasileiro: parcas e restritas possibilidades financeiras.
Mas é possível o descobrimento de novas e criativas formas de divertimento, não só atenuando esse tédio, mas incrementando significativamente os nossos conhecimentos e o prazer. Tudo a preços módicos e viáveis.
Ajuda muito, para tais programas, ter um namorado gringo meio doido. Ele vai te dar a força necessária para encarar essas novas opções de lazer, vai sempre ter um mapa do estado, vai conhecer todas as linhas de trem, vai saber preço e horário de tudo. Só aviso que o namorado gringo em questão é pessoal e intransferível, logo cada qual que arrume o seu.
Bem, com esse estado de espírito em mente, embarcamos no último sábado a uma jornada deliciosa, rumo Vila Inhomirim. O destino foi traçado na sexta-feira com uma breve visitada ao site da Supervia, a empresa responsável pelos trens do Rio de Janeiro. A linha escolhida foi a 5, com saída, lógico, da Central do Brasil, tendo Vila Inhomirim como estação final.
Zarpamos de Botafogo no final da manhã, pegando um metrô até a Central. Lá esperamos algo como 20 minutos e embarcamos no trem da dita linha. Esse trem passa por Bonsucesso, Olaria, Ramos, Penha, etc., e ainda Vigário Geral, Duque de Caxias, Gramacho e Campos Elíseos. Confesso que senti um certo frio na barriga ao saber do intinerário do mesmo já que em minha imaginação, povoada pelos fantasmas lidos e ouvidos nos noticiários, formavam-se imagens de um verdadeiro bang bang a céu aberto. Peço aos leitores que, por favor, perdoem esse preconceito e minhas idéias origialmente pré-concebidas, mas definitivamente a falta de conhecimento e informações reais, aliadas a todas as histórias contadas, me faziam ter delírios de grandes bandidos, pessoas mal-encaradas, lugares escuros e com aparência de grandes perigos. Qual o quê!! O trem seguiu recheado de trabalhadores, pessoas voltando para suas casas, muitos indo visitar amigos e familiares. É bem verdade que, fazendo turismo, nós parecíamos ser os únicos, mas nem por isso nos sentimos de alguma forma discriminados.
Para quem não tem o hábito de andar de trem, a viagem vale por si só. Existe toda uma agitação, as pessoas conversam, reclamam, contam coisas, existe uma infinidade de ambulantes passando de vagão em vagão, numa feira movimentada onde se pode comprar de tudo um pouco: jujubas de iogurte (muito gostosas), paçoquinhas (a R$ 0,10 cada uma!), chocolates recheados, pilhas, coadores de café, envelopes pra cartas, lixas de unha, amendoins, pipocas doce - aquelas do saco cor-de-rosa (Pipocas Come Come, o sacão por R$ 0,50!!), água, cerveja, picolés coloridos, 10 pirulitos por 1 real... Enfim, não se tem um minuto de tédio na longa viagem que se segue.
O trem avança passando por lugares onde se vêem pessoas atravessando a linha do trem, crianças soltando pipas, andando de bicicleta, jogando bola, roupas estendidas em varais, cavalos pastando no matinho da beira dos trilhos. São lugares, na grande maioria, muito pobres mas que, contra as minha ignorantes expectativas iniciais, esbanjam uma vivacidade, uma aparência de alegria e tranqüilidade, que nos faz repensar a vida.
O trem pego na Central do Brasil, elétrico, na verdade só vai até Saracuruna . Lá troca-se de trem, passando para um puxado a uma locomotiva a diesel, dando a sensação de pouco a pouco deixar a civilização moderna pra trás. O interessante é que esse trecho de Saracuruna - Vila Inhomirim - Saracuruna é grátis, mesmo que você não venha no trem pago. As estações que se seguem são todas abertas e qualquer pessoa pode entrar e sair do trem sem pagar nada por isso.
À medida que fomos nos aproximando do nosso destino final, percebemos uma significativa mudança na paisagem e no clima. Vamos nos avizinhando das montanhas da região serrana do Rio (já deixamos a cidade do Rio de Janeiro pra trás há muito, estou falando já do estado do Rio), as casas começam a ficar mais esparsadas, tudo ganha um ar rural e a temperatura começa a ficar consideravelmente mais amena. Vale a pena prestar atenção às montanhas, sendo sempre possível descobrir uma ou outra grande queda d'água ao longe. Pode-se também admirar os homens-voadores descendo de parapente e pousando em campos vizinhos à linha do trem.
A chegada a Vila Inhomirim, que aconteceu mais ou menos 2 horas depois de nossa saída da Central do Brasil, é surpreendente. Ela é cercada pelas montanhas (o nome anterior era Raiz da Serra, por motivos óbvios, pois é no pé da serra que vai pra Petrópolis), pode-se ver uma típica igreja do interior (Igreja de Nossa Senhora da Imaculada Conceição), uma pontezinha colorida por cima de um rio amistoso e cheio de pedras e uma construção da antiga estação ferroviária. E, imagina, fica a apenas 17 km de Petrópolis. Pode-se chegar do centro da cidade do Rio até lá por apenas R$ 1,65, ou seja, o valor do bilhete de trem!
Antes de qualquer andança e exploração, tivemos uma conversa com o maquinista e o segurança do trem, afim de nos certificármos do horário de saída do último comboio. Seria às 17:20, o que nos dava umas, ainda, 3 horas de passeios.
A essa hora nossos estômagos, claro, já davam sinal de vida e ansiavam por algo consistente e palatável. Fizemos uma breve verificação do terreno, nada muito complicado, já que a localidade é bem pequena, possuindo uma única rua principal e poucas secundárias. Passamos por uns três botecos mas fomos atraídos por uma placa que dizia: Pensão da Vovó Dui. Caminhamos cerca de 500 metros, o suficiente pra chegar nesse lugar simples mas de aparência honesta, paredes impecavelmente brancas e preços extremamente convidativos, R$ 3,50 o prato feito, tendo várias possibilidades de combinações, como carne assada com purê de batatas, estrogonofe de frango, macarronada, etc. Optamos pela comida mineira e fomos surpreendidos por dois pratos enormes contendo arroz, feijão preto, lingüiça calabreza acebolada, um ovo cozido, couve à mineira, torresmo e banana frita à milanesa! Para beber pedimos refrigerante de limão Convenção. Total da conta: R$ 7,50! Isso mesmo, aposto que você ficou tão surpreso quanto eu! Fazendo as contas verifiquei estupefata que a garrafa de 600 ml de soda custava apenas R$ 0,50!
Essa pausa na Pensão da Vovó Dui foi boa pra conversármos com Monica, a cozinheira responsável pela comida farta e gostosa, e com Reinaldo, o dono do estabelecimento que nos forneceu informações preciosas sobre o local. Foi ele quem nos disse, por exemplo, que era possível pegar um ônibus ou uma kombi bem na esquina e subir a serra pra Petrópolis em aproximadamente 40 minutos. Foi dele também que ouvimos, maravilhados, sobre a existência de uma antiga estrada colonial, construída por escravos, por onde o imperador D. Pedro viajava de carruagem até sua cidade (Petrópolis = cidade de Pedro). A estrada continua intácta, com suas pedras polidas e irregulares originais, sendo possível fazer todo o caminho a pé (não dá pra subir de carro, máquinas muito modernas e frágeis pra dureza e irregularidade do terreno), subindo as montanhas pelo meio da mata atlântica. Algo que já ficou devidamente agendado, em nossos corações e almas, como uma expedição imperdível e obrigatória.
Como tínhamos algum tempo e Petrópolis tava ali do lado, não pudemos resistir. Pegamos um ônibus (R$ 3,00 a passagem até lá e R$ 1,50 até Meio da Serra, um povoado literalmente localizado no meio da serra que dá acesso à cidade) e subimos a serra velha, uma estrada antiga e estreita de paralelepipedo, com curvas tão fechadas que muitas vezes os carros precisavam parar para esperar o ônibus fazer alguma curva. Tudo beirando as encostas em paisagens que nos faziam perder o fôlego: grandes paredões de pedra, entremeados de uma mata abundante e fresca e uma vista do vale, com Vila Inhomirim e toda a Baixada Fluminense, cada vez mais distante e aberta, dando uma noção de amplitude impressionante. Não desgrudamos os olhos das janelas. E, conforme subíamos, a temperatura ia gradualmente caindo. Estávamos definitivamente na serra.
Alcançamos o centro de Petrópolis aproximadamente 45 minutos depois. Nos informamos, na rodoviária, que o ônibus tinha uma regularidade de 20 em 20 minutos, o que nos dava relativamente pouco tempo, já que não podíamos perder o trem das 17:20. Saímos, então, para um passeio rápido pela rua principal, vimos o prédio dos Correios, o Teatro Municipal Grande Otelo, algumas estátuas, pessoas em charretes que relembram os idos do período imperial, ruas floridas, pontes coloridas e românticas. Uma pena o pouco tempo, pois Petrópolis é uma cidade para se curtir com calma, conhecer seus recantos, falar com as pessoas na rua. Mas tampouco poderíamos ter perdido essa oportunidade. Taí mais uma viagem obrigatória!
Pegamos o ônibus de volta e chegamos em 25 minutos na estação de trem. A decida, claro, foi bastante mais rápida já que, como diz o ditado, "pra baixo todo santo ajuda e até o diabo empurra". Tivemos alguns minutos de folga antes da partida, o suficiente para irmos até o início da estrada colonial fazer um reconhecimento ao vivo e a cores.
A volta até Saracuruna foi tranqüila e sonolenta, já que estávamos bastante cansados e a locomotiva puxava o trem de forma lenta e cadenciada. Em Saracuruna pagamos a passagem e embarcamos no trem elétrico de volta à Central do Brasil. Nesse trem viemos num vagão cheio de trabalhadores da Supervia que deixavam seus turnos de trabalho e voltavam para casa. Vinham brincando, conversando alto, fazendo piadas. Um vendedor ambulante, aparentemente folclórico e conhecido de todos, que passa e grita com as pessoas que estão dormindo, foi recebido por um coral dos mesmos trabalhadores onde seu grito era imitado. Fizeram isso tantas vezes o vendedor passou pelo vagão, ou seja, pelo menos umas quatro! Isso nos arrancou gargalhadas. Segundo meu doido e gringo namorado, algo assim só acontece no Brasil. As pessoas no trem sorrindo, falando umas com as outras, uma agitação gostosa, quente, viva. Coisas de Brasil. Coisas de Rio de Janeiro. Ô, coisa boa!
dicas e comentários
Indo da Zona Sul do Rio pode-se pegar a integração metrô-trem pagando R$ 3,30 para a ida e mais R$ 3,30 para a volta. O ônibus para Petrópolis partindo de Vila Inhomirim sai a R$ 3,00 pra ir e mais o mesmo valor pra voltar. Toda a viagem sai por apenas R$ 12,60!
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O trajeto todo até Petrópolis, indo por Vila Inhomirim, demora em média 3 horas. Se você estiver com pressa talvez seja realmente melhor pegar o ônibus na Rodoviária Novo Rio e chegar lá em aproximadamente 1 hora de viagem. Mas paga-se umas 3 vezes mais e desperdiça-se toda uma aventura e descoberta, além das pouco conhecidas paisagens desse lado da serra.
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Você pode encontrar uma variedade enorme de lojas de confecções, com grande variedade e preços imbatíveis.Tudo na rua Teresa, no centro de Petrópolis. Visita obrigatória!
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O almoço na Pensão da Vovó Dui é honesto e barato. Como disse, a porção é bem servida e o prato sai por R$ 3,50. Dependendo dos comensais, um prato pode ser dividido bastante bem por duas pessoas. Além disso, fizemos uma visita à cozinha. É simples, funcional e bastante limpa. Aprovada. O refrigerante de 600 ml sai por R$ 0,50. Existe um sabor, que infelizmente estava em falta no dia, de Tubaína. Vale a penaa ousadia de provar.
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Atente para os nomes inusitados de algumas estações por onde o trem passa: Campos Elíseos, Manoel Belo, Jardim Primavera, Parada Angélica... são ou não são românticos?
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Não deixe de experimentar as jujubas de iogurte vendidas pelos ambulantes no trem. São 4 saquinhos por 1 real e têm mesmo gosto de iogurte!
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Fiquei intrigada com o significado de "Inhomirim" e acabei formulando uma teoria que me pareceu muito interessante e coerente: inho seria uma corruptela de senhor, sinhô, e mirim seria isso mesmo, mirim, pequeno. Ou seja, senhor pequeno. Naturalmente fui remetida ao imperador D. Pedro II que foi coroado ainda na infância. Como não poderia deixar de ser, fui pesquisar a morfologia da palavra, dando uma olhadela nos prefixos e sufixos indígenas. Para minha completa decepção, estava redondamente enganada. Inhomirim significa campinho, campo pequeno. Gostei mais da minha dedução, claro. Parecia tão lógica e romântica! Mas não poderia deixar de documentar a verdade. Fica a cargo do leitor, então, escolher o significado que melhor lhe convier.

segunda-feira, agosto 15, 2005

ida a madureira

Fazia tempo que eu não andava pelos idos de Madureira. Na verdade tem mais ou menos um ano que eu não pisava por aquelas terras, nem por motivos profissionais e muito menos pessoais.

Nessa sexta, ao perguntar a Tom sobre seus planos para o sábado, recebi o convite: vamos a Madureira??

Eu fui, claro. Ele pegou o metrô em Botafogo, foi até a Central do Brasil e de lá se enfiou num trem com destino a Deodoro. Eu, pelo meu lado, me meti numa super kombi em direção a Estação de Trem de Madureira, saída dos confins de Jacarepaguá (daquela área intermediária em que vivo, entre Barra, Recreio e Vargem Pequena e que, carinhosamente, apelidamos de CDM, ficando a cargo da imaginação alheia descobrir o significado).

Nos encontramos no terminal rodoviário em frente à estação, primeiro ao som quente do forró, depois ao som balanceado do hip hop.

Para quem conhece e não vai há muito (como eu que já, inclusive, estudei em Madureira) ou para quem ainda não conhece, o programa é imperdível!! A estação está mais bonita, com uma rampa bem legal, adornada com azulejos coloridos, possibilitando uma alternativa de acesso aos dois lados da linha do trem mais confortável do que as antigas, gastas e escorregadias escadas.

O lado "de lá" é sem dúvida o que interessa. Deixando claro, falo do lado do "Mercado Popular de Madureira" ou, em outras palavras, do lado do camelódromo, não o do Tem Tudo (centro comercial paleolítico, precursor dos shoppings, onde tomei vários sundaes de morango no Bob's, nos idos da minha infância suburbana e feliz). Caminhando pelas calçadas, você tem uma infinidade de lojas, ambulantes, transeuntes, pessoas falando em alto-falantes, ofertas de absolutamente tudo, controles remotos universais, pilhas, calças jeans, sapatos, guarda-chuvas, poções mágicas, ervas emagrecedoras, fantasias eróticas... é uma festa pros olhos e para o nosso, facilmente despertável, desejo consumidor.

Continuando no terreno "consumo", prepare-se: pode ser um choque total para alguém que tem andado nos grandes shoppings e lojas de grife há muito tempo. Os preços são absurdamente baixos e atraentes. Está claro que a moda não é a mesma da zona sul mas, por isso mesmo, acaba ganhando ares de exclusividade. Pode-se comprar calças jeans 10 vezes mais baratas, com um estilo totalmente street e urbano. E é claro que com um preço tão baixo, nos adaptamos facilmente ao novo look!!

As lojas de lingerie, endumentária casamenteira, de utilidades domésticas, cama mesa e banho e roupas de jeans, são campeãs absolutas tanto na variedade de produtos e na quantidade de lojas, quanto na preferência dos consumidores. Mas é sempre bom lembrar que uma boa dose de paciência e um espírito aventureiro podem ser necessários se você resolver comprar e experimentar alguma coisa, por exemplo. A fila, até chegar ao provador, pode despertar aquele ser rabugento, mimado, intolerante, insuportável, um verdadeiro Ogro que vive nas entranhas da sua alma. Se isso ameaçar acontecer, respire fundo, antes que seja incontrolável, e pense: eu não estou com pressa!! Tenho todo o tempo do mundo!! Verá que o resultado pode ser libertador e extremamente compensador na hora de passar no caixa.

Depois desse conhecimento do comércio de rua oficial do bairro, partimos até a quadra da Portela. Apesar de estar fechada, sem nenhuma programação, usei o argumeto infalível de que Tom é gringo, não conhecia a escola, veio a Madureira com esse intuito... tivemos a colher-de-chá, então, de entrar e fotografar à vontade. Saimos de lá encantados. Eu com meu encantamento renovado. Tom totalmente contaminado. É portelense desde pequenininho.

Depois da Portela o caminho natural e óbvio é rumar para o Mercadão de Madureira. Um mercado "indoor" com ares de feira, onde pode-se achar um aviário (um lugar onde vende-se galinhas e coelhos que são abatidos na hora), uma loja de bugigangas chinesas, um restaurante mineiro com um cheirinho apetitoso, uma loja de tudo - absolutamente tudo - para festas, tendo ao lado a maior loja de artigos religiosos que já vi. Claro que, relembrando o antigo incêndio, depois que o Mercadão original foi quase totalmenete queimado, houve uma significativa mudança e melhora em suas instalações, podendo-se usufruir de ar condicionado, escadas rolantes e uma aparência mais limpa e organizada. Mas, talvez seja um grande e absurdo saudosismo, acabou perdendo muito do seu charme popular. Tom, porém, sentenciou: esse é mais um endereço obrigatório pra trazer os gringos turistas de visita à cidade maravilhosa.

Saimos do Mercadão pela Avenida Edgar Romero e demos de frente a uma rua transversal que descortinava, ao longe, uma grande escadaria. No fim da escadaria uma igreja. O instinto alpinista de Tom foi imediatamente atiçado mas como seguro morreu de velho e de guarda-chuva, e a escadaria passava inapelavelmente pelo meio de uma favela com aparência nada amistosa, fui enfática: aí não dá pra subir! Como minha fama de medrosa corre mundo e entre nós não poderia ser diferente, Tom resolveu tirar a prova dos nove perguntando a um bicheiro na esquina se era seguro subir o morro. A resposta foi interessante: se vocês querem ir a uma igreja, vão nessa aqui de baixo, a lá de cima não vale a pena... nunca se sabe se sai vivo ou morto! Acatamos ambos o bom conselho do senhor contraventor e nos limitamos a subir timidamente a rua. O suficiente para "descobrir" uma outra loja de macumba. Tinham coisas muito interessantes, santos, desenhos na parede, esteiras, entidades em tamanho natural. Acabamos tomando um café com a dona depois de um bom papo, algumas fotos e a compra de uma Nossa Senhora da Conceição e uma Iemanjá, ambas de cerca de 70 cm de altura e de preços inacreditáveis.

Viemos embora, santas nos braços (pesadas, aliás), pegando um ônibus até Irajá e o metrô de Irajá até Botafogo. Ficou um gostinho de quero mais. Quero mais Portela. Quero mais preços baixos. Quero mais povo aberto e caloroso. Quero mais conversa na fila do provador. Quero sempre mais desse Rio de Janeiro de várias facetas, vários mundos. Meio esquisofrênico, meio poeta, meio louco. Totalmente apaixonante.

algumas dicas básicas

Atente para a possibilidade de se comprar uma calcinha por R$ 0,60!! Pode-se usar uma calcinha nova por dia, sem repetir, durante um mês inteiro, jogar todas fora, descartáveis, pela bagatela de R$18,00!! É ou não um sonho?? A loja fica na estrada do Portela se não me engano, mas não é única. Pesquise!

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Indo da zona sul, pode-se pegar o metrô até a Central e depois o trem para Deodoro. A possibilidade de ir de metrô até Irajá e depois se pegar mais 5 minutos de ônibus até Madureira também é boa. Da Barra existem ônibus e kombis direto, todos passando pelo Barrashopping. De Jacarepaguá (ou CDM) também se tem as duas possibilidades de transporte.

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Pode-se tomar um açaí com granola, uma boa porção de pães de queijo mais um suco de abacaxi feito na hora por apenas R$6,00. Tudo na lojinha de sucos da esquina da R. Dagmar da Fonseca com Est. do Portela.

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Uma MICRO saia jeans, que te deixa a mais gostosa do bairro pode ser comprada por apenas 18 reais. Acredite, o resultado levanta a moral de qualquer cristã. Ou cristão. Aprovadíssima!

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A Portela começa no próximo mês, ainda que timidamente segundo me foi informado, os ensaios para o carnaval 2006. No próximo dia 03/09 (primeiro sábado de setembro) tem feijoada na quadra, com velha guarda e bateria da escola no palco. Vale e muito!!

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Para se ir da Est. do Portela para o Mercadão de Madureira, tem-se que passar pelo meio da linha do trem. Isso mesmo, pelo meio, pulando os trilhos. Isso por si só já seria uma aventura, mas antes de chegar à linha, passa-se por uma feirinha interessante. O destaque fica por conta dos verdadeiros artistas que estampam camisetas na hora. Desenham, personalizam, colocam nomes e dizeres, de acordo com a vontade do freguês. A camiseta já pronta sai por R$10,00. A feita na hora, com exclusividade, por R$15,00.

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Não se pode fotografar dentro do Mercadão sem autorização.

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Não se deve subir o Morro de São José se você tem amor à vida.

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Você pode ter uma Iemanjá e uma Nossa Senhora da Conceição, de aprox. 70 cm de altura cada uma, te protegendo, na sala da sua casa (como estão aqui) por R$18,00 cada uma.

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Corre-se sempre o risco de divertidamente ser abordado, enquanto tenta tirar uma foto, com a seguinte fala: TIRA UMA FOTO MINHA!! SOU MUITO MAIS BONITA DO QUE ISSO AÍ!

quinta-feira, agosto 11, 2005

escavações

O som da flauta,

o cristo de braços abertos,

a luminosidade aconchegante do dia nublado,

o cheiro da noite impregnado na memória,

o despertar com aroma de café.

Esperanças renovadas,

a vida fluindo numa corrente tranqüila,

água por entre as pedras,

elos flexíveis colocados, recolocados,

a corrente crescendo,

esticando, sem cadeados e fechaduras.

Decobrimento de mim.

Escavações paleolíticas,

fragmentos de cartas,

estilhaços de medos e pensamentos.

Quebra-cabeça da alma, encaixes moldáveis.

Figuras que se formam,

vontades que tomam corpo,

e tomam coração,

e tomam razão,

e tomam força.

A vida seguindo o fluxo,

as barragens explodidas,

a enchente de dissabores baixando, baixando, baixando.

A expectativa é casca de bananas,

a paciência é ouro,

e o amor, ah o amor,

esse é salvação.

terça-feira, agosto 09, 2005

pausa na alegria

A vida nos prega peças o tempo todo. Sempre sou pega de surpresa por alguns fatos, por acontecimentos, por notícias. É assim. E sei que não é só comigo. Nunca podemos ter certeza de nada.
Bem, na verdade temos uma certeza irrefutável. Apenas uma. E essa é uma certeza absoluta, imutável, inegável. Todos sabemos que a morte um dia chega, um dia acontece.
O curioso é justamente isso. O engraçado (não engraçado de provocar frouxo de risos, claro) é que sabemos disso assim que começamos a ter uma consciência da vida, assim que perdemos o nosso primeiro cachorrinho de estimação, assim que perdemos o avô querido. E no entanto continuamos a nos surpreender, chocados, quando ela aparece, certeira e implacável.
Foi assim hoje comigo. Recebi um telefonema e ouvi, estupefata, que um grande amigo, queridíssimo, alegre, jovem, bonito e inteligente, morreu. E rápido. Sem grandes explicações. Assim como nasceu um dia, parou de respirar hoje. Ponto final.
Me faz refletir na fragilidade da vida. Em como perdemos tempo com objetivos fúteis, com sentimentos mesquinhos, com preocupações que não passam disso mesmo, pré ocupações de nossos cérebros e corações. Afinal, como disse antes, não podemos realmente prever o próximo evento, certo? Podemos saber o que tem depois da próxima esquina? Não dá. Não sabemos. Não podemos.
Ele viveu. Sei que viveu. Casou, teve uma esposa que amava, comemorou o aniversário dela no último sábado, era um bom filho, irmão e amigo. Afinal, mesmo tendo uma existência curta, fica a certeza de que fez o seu melhor. Foi feliz o tanto que pode.
Fica sim um sentimento triste e pesado. Fica a tristeza de quem fica, a saudade doendo no peito de todos. Mas fica também uma lição. Lição essa que caiu como uma luva pra mim: viver o presente, fazer o melhor de si, com carinho, com amor, sem grandes cobranças. Aproveitar o que a vida tem de melhor, descartar os sentimentos angustiantes, as culpas, amenizar as dores. Ser feliz por ser. Respirar, olhar o céu, amar. Afinal, com tantas incertezas e sendo a morte a única certeza absoluta, toda a vida que se tiver é lucro. E se for uma vida feliz, tanto melhor. É a sorte grande.

segunda-feira, agosto 01, 2005

sexta no morro

Antes de voltar a falar do meu Brasil varonil, mais especificamente da minha adorável cidade, abro um parêntese de meias desculpas e de reconhecimento da minha possível chatice exaltando tantas e tantas vezes o Rio de Janeiro, nesse repentino furor apaixonado que me encontro.
Sei que ando parecendo uma fanática religiosa, daquelas que acabaram de abraçar uma nova crença e se jogam de cabeça na tarefa imperiosa de catequizar os não crentes. Mas diante de acontecimentos deliciosos, como os dessa última sexta-feira, sinto-me justificada e com a obrigação inadiável do registro dos fatos.
Mesmo tendo nascido e vivido aqui minha vida inteira, sendo uma autêntica carioca da gema, ainda sou pega de surpresa, bofetada na cara, por alguns exemplos da simplicidade, simpatia e acolhimento desse povo. Para quem não sabe, Tom (o responsável direto pela minha confissão de uns dois posts atrás), vive no pé do Dona Marta. Toca chorinho com um grupo da área, conhece a favela e é figurinha fácil nas redondezas. Pois bem, surgiu por seu intermédio o convite inusitado dessa sexta:
- Você já conhece o Dona Marta? Vamos até a entrada da favela?
Eu, ligeiramente assustada com a proposta:
- Agora à noite?
- Why not?
- Tá bem, vamos!
E fomos. Subimos pouco a ladeira, apenas o suficiente pra chegar na primeira escadaria de acesso à comunidade. Dali pode-se avistar um primeiro pátio, já algumas casas/barracos e o Bar do Kaká, ainda fechado, mas já com data marcada para a inauguração.
Ficamos por alguns intantes parados, observando os arredores e tecendo alguns comentários, numa típica atitude turística. Mas foram instantes fugazes e velozes. Rapidamente fomos abordados por uma mulher que subia as escadas:
- Oi, posso ajudar? Vocês tão procurando alguém? Querem ir a algum lugar?
Tom respondeu no seu fluente e gringo português:
- Estava mostrando a favela a ela que ainda não conhece. Toquei com o Rodrigo Simões que é daqui da comunidade, você conhece?
Ela falando conosco e com um rapaz moreno que descia as escadas:
- Rodrigo...? Não sei quem é... ô Kaká, você conhece o Rodrigo?
Kaká é o mesmo do Bar do Kaká. Um rapaz de 23 anos, dois filhos e mais um na barriga, que atende pelo nome de batismo de Cassiano, e pela alcunha óbvia de Kaká. Impressionantemente gente boa, já chegou se apresentando, conversando e nos convidando:
- Oi, eu sou o Kaká ali daquele bar. Rodrigo, hummm talvez eu saiba quem é sim. Mas vocês estão querendo falar com ele? Eu tô descendo pra um barzinho do meu pai logo ali embaixo pra comer uma carne de sol com aipim, a melhor do mundo! E tomar uma cerveja, vamos lá?
Eu até então estava calada e participando passivamente de todas as conversações. Como tenho essas características pouco brasileiras de cabelos, pele e olhos muito claros, ele me perguntou:
- Você é de onde?
Eu:
- De Jacarepaguá.
- Mas assim de que país?
- Ué, Brasil! Sou carioca, pô!
O que arrancou uma gargalhada dele e a expressão : "e eu gastando o meu inglês aqui!".
Acompanhamos o Kaká. Sentamos numa mesa de metal na beirada da rua, com várias outras pessoas da área. Todos amigos dele. Conhecemos Celo e Márcio (irmãos), Sofia (a segunda esposa de Kaká, com uma barriga já saliente de gravidez), Pica-pau, Francisco (empregado do bar), Seu João (pai do Kaká), Caetano (um cara de camisa do flamengo, apelidado de Gringo por causa dos incomuns olhos azuis) e Cassiane.
Cassiane merece um comentário à parte. É a filhinha de 4 anos de Kaká (o nome não é mera coincidência - Cassiane e Cassiano), linda, de cabelos cacheados, sorriso meigo, covinhas na bochecha e que nos deixou completamente apaixonados. Ela beijou, brincou, riu e alegrou de verdade a noite.
Quanto à carne de sol com aipim, eu nunca, repito, NUNCA, comi uma igual. Digna de reis. A cerveja, Skol e Antartica, estupidamente gelada. A música variava entre forró, samba, funk, hip-hop. Coisas daqui e da terra do Tom. O papo divertido, descontraído e alto astral. Eu me senti lisonjeadíssima pois me foi oferecido um lugar para sentar no meio dos homens, atitude pouco comum na área, como pude observar pelo distanciamento das outras mulheres que estavam presentes ao encontro. Fomos ainda convidados para a inauguração do Bar do Kaká, que vai acontecer no próximo sábado, dia 06/08, com direito a pagode ao vivo, a ponche liberado para as mulheres e a uma grande queima de fogos à meia-noite!
Depois de incontáveis cervejas bebidas e vários pratos comidos, resolvemos que era hora de voltar pra casa. A conta foi pedida e quando perguntamos o valor, simplesmente não nos deixaram pagar! Poucas horas antes nunca tínhamos estado com aquelas pessoas e de repente éramos convidados de honra. Como diz Tom, parafraseando o poeta, "aqui sou amigo do Rei..."
Fomos para casa felizes, de mãos-dadas, sorrindo dessa noite mágica, simples, calorosa e inesquecível. Com a certeza de que dia 06 estaremos lá. E convido a todos os leitores: conheçam o Bar do Kaká.