terça-feira, junho 07, 2005

a vida secreta dos pés

É sabido pelos meus amigos íntimos que tenho uma ligação quase sobrenatural com pés. Amo pés. Sou viciada em sapatos. Conheço a personalidade de uma pessoa pelo tipo de sapatos que usa, pela maneira que cuida dos pés. Os calçados refletem de maneira muito fiel se estamos lidando com uma pessoa expansiva, tímida, ousada, clássica, inteligente, autêntica, insegura... enfim, se os olhos são o espelho da alma, os pés são o espelho do ego. Duvida? Faça a seguinte experiência: vista dez pessoas com roupas exatamente iguais, de cor preta e deixe livre a escolha dos sapatos. Verá que o resultado é surpreendente e esclarecedor.
Isso tudo pra explicar o sonho que tive. Sonhei que andava com sapatos de vidro. Não sapatos altos, estilo Cinderela. Nada romântico. Eram, na verdade, uma mistura de botas com jarras de suco. Uns sapatos-bolotas. E é claro que eram extremamente incômodos e desagradáveis de usar. Mantiam os pés apertados, presos e à mostra. Finalmente, eram moldes transparentes tentando mater meus passos sobre contole e vigilância constante.
E por que não quebrava as formas de pés afinal? Por que não me livrava do incômodo dos passos presos e pré-determinados? Simples: medo. Medo de me machucar, medo de andar descalça. Medo de agir fora do molde, de não ter uma receita simples a seguir. Mesmo que eu nem gostasse tanto assim da receita, era mais fácil agir assim, do que inventar uma receita nova. Uma receita nova sempre tem a possibilidade de dar errado, de não sair de acordo com o esperado. Mas quem precisa andar dentro do esperado? Por que não se permitir a surpresa, o erro, a descoberta?
São perguntas sem resposta. São as questões da vida, ainda. Da minha vida, digo. E pensando nessas questões, expressões como "pegar no pé", "dar no pé", "ser pega pelo pé", "acordar com o pé esquerdo", "ter cuidado onde pisa", passam a ter um significado diferente, maior, revelador talvez.
Enquanto tento descobrir o significados obscuros e secretos disso tudo, vou dar uma passadinha na pedicure que ninguém é de ferro. Ou de vidro. E os pés agradecem.