terça-feira, junho 14, 2005

o rapaz do piano - título provisório

Estava sentado no primeiro banco do ônibus. Aquele mais alto que ficava bem perto da porta de entrada. Sentia-se desconfortável ali. Não lhe parecia certo e digno sentar antes de pagar a passagem, mas estava demasiado cansado pra viajar em pé. E não havia assentos vagos do outro lado da roleta.
As mãos lhe doíam. Sentia uma dor que vinha dos pulsos até a ponta dos dedos. Quando mais jovem tinha sido um rapaz bonito e bem apessoado. A sua altura, além da média, e seu corpo bem formado, de ombros largos e fortes, faziam sucesso com as mulheres. De sorriso aberto e franco, olhos vivos e meigos, as moças nunca foram problema. E suas mãos grandes, de dedos longos sempre chamaram a atenção, eram muito elogiadas, naquela época. Mas hoje era diferente, pensava. Seus dedos doíam e as palmas tinham calos duros e ásperos. Esfregou os pulsos com vigor. Buscava alívio na dor e em tanto rancor que trazia dentro de si.
A vida não tinha sido justa. Definitivamente não. Tivera que sair às pressas de sua cidade, trazendo praticamente a roupa do corpo pra essa cidade enorme que engole, mata aos poucos. Tinha uma vida boa. Viveu com seus pais até tudo aquilo acontecer. E teve que largar tudo, deixar o piano, o amor, até o seu filho. Pensou com força, tinha um filho!
O nascimento do seu filho foi um divisor de águas na sua vida. Sempre quisera ser pai, mas não esperava que tudo fosse se precipitar dessa maneira. Imaginava encontrar a mulher da sua vida, casar, ter uma casa que pudesse chamar de lar. Mas não foi assim. Não foi nada disso.
Tinha conhecido Camila numa pequana apresentação que fizera no Colégio São Francisco de Paula. Ela era uma das internas, só saindo do colégio aos sábados e domingos para visitar a família.
Era uma menina de grandes olhos amendoados, cor de mel, cílios enormes e negros, assim como seus cabelos lisos e pesados. Nessa época ele só os tinha visto presos em uma trança única, que lhe caía até a cintura, amarrados por uma fita de cetim branco.
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continua...