um lugar pra chamar de meu
Ai, as árvores secas, desfolhadas, juntando galhos por cima da larga avenida. Prédios antigos, com sacadas de ferro fundido, uma predominância de tons terrosos e quentes.
O céu limpo, sem nuvens, claro, de uma luminosidade transparente. O ar frio, entrando gelado pelas narinas, deixando as bochechas vermelhas e ardidas. O vento teimando em ultrapassar as barreiras do sobretudo vermelho. Uma sensação confortável em estar envolta em cachecóis de lã, com as mãos aquecidas dentro das luvas.
O ar tem um cheiro. A cidade toda tem um cheiro. Um cheiro quente e doce, que mistura café, eucalípto, chocolate e tabaco. O cheiro é da cor da cidade.
Os cafés, o metro, o som da língua, essa língua tão expressiva que aquece o coração, que conforta e aconchega. As ruas familiares e desconhecidas, a um só tempo. A sensação de saber exatemente pra onde se está indo. A simplicidade da geografia reta, linear, quadriculada. A segurança de se caminhar livre, tranqüila, impune.
Grandes distâncias foram percorridas, caminhadas, cheiradas, sentidas. Reconhecidas, na verdade. Tomo posse da cidade, finco bandeira, guardo, com olhos e ouvidos bem abertos, todas as lembranças e impressões, todos os amores sucitados. Amo o ar, os táxis, o cemitério, os museus, as casas coloridas do bairro beira-rio, os prédios modernos e contrastantes à arquitetura antiga dominante. Amo esse ar ligeiramente decadente, essa nostalgia presente nos rostos, na saudade do que um dia se foi. E a certeza reinante de que um dia voltará a ser.
A força do povo que fala, discute, gesticula, esbraveja. A educação, a falta dela. Médias lunas. Alfajores. A música passional, as grandes manifestações. Que saudade de tudo isso. Que vontade de tudo isso. Saudade do pedaço de mim que ficou lá, vagando pelas ruas e noites dessa cidade, que roubou parte do meu coração. Um dia volto pra buscar. Volto para o meu lugar.
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