sexta-feira, fevereiro 03, 2006

money money money (publicado originalmente no "Trompe l`oeil... parece aquele, mas não é")

É, eu também adoraria viver de escrever. Apesar de não ser lá muito assídua, eu juro que seria, que escreveria todos os dias, várias matérias, artigos, ensaios, sempre sempre, se eu ganhasse pra isso. Seria assim como a realização de um grande sonho. Ter prazer e ganhar a vida ao mesmo tempo!

Mas, não é assim que tem funcionado. Exceto pelo prazer (grande, aliás) de ver meus escritos circulando e sendo lidos, eu nunca ganhei absolutamente nada pra escrever. E, sendo assim, preciso ganhar a vida de outra maneira, o que também não tem acontecido de maneira muito louvável. Tem tempos que minha sociedade com mami tá indo pro saco. Tem tempo que Tomzinho tem bancado tudo.

Sendo assim, estou à cata de um ganha-pão, um trabalho, uma maneira de ganhar meu dindim de cada mês. Espalhei curriculuns. Uma variedade de lugares que dá gosto de ver. Da locadora de vídeo ao trabalho como designer de interiores que é o que, acreditem se quiser, eu sou de fato e de estudo. Para minha surpresa, fui rapidamente chamada pra três entrevistas, uma após a outra.

A primeira justamente para uma vídeo locadora perto de casa. E eu, como ex-dona de uma locadora, achei que seria um trabalho molezinha, gostoso mesmo, tranqüilo de ser feito. Claro que se o salário permitisse. Bem, não permite. A loja só fecha dois dias no ano, no dia 25 de dezembro (ho! ho! ho!) e no dia 1º de janeiro (adeus ano velho... feliz ano novo...). Fora isso, ela abre de segunda a segunda, sem pausas, sem feriados. Tabalha-se domingo sim, domingo não. E a jornada de trabalho vai de 3 da tarde às 10 da noite, com 10 minutos (!!!!) pra comer. Isso mesmo, 10 minutos. Passei ainda alguns minutos sendo sabatinada. Precisava dizer os nomes dos atores que via em fotos na capa dos filmes. Depois fui indagada pelos últimos filmes que vi no cinema e se eu já tinha ouvido falar de Woody Allen e Almodovar (!!!). E o salário? Hummm, R$320,00... definitivamente não dá, é pior do que escravidão, já que o "senhor" não precisa manter o escravo vivo... com certeza ele gastaria mais do que isso...

A segunda foi uma loja de venda de pisos cerâmicos. Daquelas sem graçaaaaa, onde você tem inúmeras placas giratórias com um monte de pisos colados, pra o cliente ir passando. Eu sei, eu sei, que estudei decoração, que eu deveria adorar "pisos cerâmicos" e afins, mas acontece que não gosto não. Mas, ok. Fiquei até interessada. A entrevista foi estranha, ele me perguntou qual meu estado civil, se eu era fumante (e eu não sou mais!!!), se tinha algum problema de saúde, se eu trabalhava bem com o computador (dannnn) e pronto. Recebi um e-mail no ddia seguinte dizendo: "Deborah, acgradecemos mais uma vez sua participação no processo de seleção, mas a princípio não poderemos aproveitar você... bla bla bla". Foi a seleção mais estranha que já participei, sem saber quanto ganharia, porque eu tava ali, o que queriam de mim. Enfim, tô até satisfeita de não estar lá conhecendo qual o PA (ou qualquer sigla que o valha) do piso tal...

A terceira foi uma loja de decoração, dessas que vendem de tudo: persianas, tapetes, pisos de madeira, cortinas, almofadas, etc etc etc. Na verdade ainda estou no processo de seleção, já que eu mesma ainda não desisti e ainda não "me desistiram". Mas tô pensando muito seriamente em roer a corda. O trabalho é interno e externo. No dia interno se trabalho de 8 da manhã às 7 da noite (!!!!). No dia externo, idem. Mas você faz o seu roteiro, logo pode se dar uma colher de chá. De qualquer modo, mesmo no dia externo, você tem que passar na loja, de manhã, à noite, ou nas duas horas. A loja logicamente abre sábado, até 1 da tarde. Ajuda de custo? Não tem não, moço. Salário fixo? Também não. Retirada mínima? HA HA HA, claro que não. A única coisa é uma comissão de 4% sobre as vendas e uma ajuda na passagem de ônibus... é só fazer as contas de quanto se precisa vender para ter um salário digno e que pague, ainda, todos os seus gastos de rua. Ai ai. Complicado. Mas, por incrível que pareça, ainda estou pensando se fico ou não, já que estou PRECISANDO de grana...

Bem, não deixo de me sentir (re) entrando numa engrenagem feia e suja. Dessas que, por necessidade, pessoas são massacradas, usadas e descartadas assim que os interesses são mudados. É assim que funciona o neo-liberalismo. O capitalismo selvagem e desenfreado. Mas longe de mim fazer comícios político-econômicos. Não sou comunista desde os 18 anos e não quero pregar o fim do capitalismo de jeito nenhum, até porque faz tempo que eu não saberia o que colocar no lugar. Porém posso dar uma desabafadinha básica, né? Eu não queria fazer parte de uma engrenagem. Mas se tivesse que fazer, que pelo menos eu não ficasse toda suja de graxa, que a experiência não fosse tão massacrante. E que, pelo menos, o salário fosse compensador. Que suja, massacrada e, ainda, sem dinheiro é deprimente!