sexta-feira, junho 30, 2006

trinta e lá vai pedrada.

É assim, num dia você vai dormir e tem vinte e poucos anos. No outro, você acorda e encontra uma comunidade de cabelos brancos pulando nas suas têmporas e descobre, de forma aterrorizante e desoladora, que está com trinte e tal. Trinta e tal sim, porque a partir de agora não faz mais diferença se é 30, 31 ou 39. O importante, o fatal já aconteceu: voce passou dos trinta.
Esse pulo no espaço-tempo tem vários ângulos para serem analisados. É interessante ver como tudo acontece de forma misteriosa e mágica. Mesmo fazendo aniversário, mesmo tendo lá, estampada a ferro e fogo, na sua identidade a tão importante data natalícia, mesmo assim você não se dá conta, não sabe da realidade. Mas um dia ela cai de pára-quedas em cima de você.
Essa realidade nua, crua e totalmente indigesta, pode vir na forma de um "tia, sabe onde fica a rua Fulano?", "tia" esse proferido por um gato de 1,80 m de altura, olhos verdes, saradíssimo e que deve ter tenros 18 aninhos. Um cara que você CLAROOOO olharia na praia, mas que te chama de "tia", sem dó nem piedade. E pior, sem sarcasmo mostrando, com toda a naturalidade, como ele te enxerga...
Existem outras formas, claro, quase tão sutis como a do "sobrinho". Você sempre pode cair no choro quando chegar a próxima fatura do plano de saúde e descobrir, estupefata, que mudou de categoria: paga 20% a mais porque passou dos 30. Pessoas mais velhas, sabe como é, pagam mais. Nesse caso, fique tranqüila e chore à vontade. É plenamente compreensível o desgosto de se descobrir velha e gastando mais por isso ao mesmo tempo. Lágrimas totalmente justificadas.
Aliás, gastar mais é o que você vai fazer daqui pra frente. Primeiro que você começa a descobrir que ter 30 e tal significa alguns gostos mais elaborados e caros. Uma viagem acampada numa barraca, infestada de mosquitos, acompanhada de macarrão com salsicha já não fazem muito sua cabeça, não é mesmo? Nada como uma boa e confortável cama, ar condicionado, uma comida que tenha levado minimamente 30 minutos pra ficar pronta. Mas isso não é tudo. Seus gastos fatalmente aumentarão com dermatologistas, cremes para o rosto contendo uma tonelada de rejuvenescedores e bloqueadores solar (ahhh... o tempo em que o Sol era um aliado e era tão bonito ficar bronzeada... bons tempos em que cagávamos para câncer e envelhecimento da pele), dentistas (os dentes começam a dar uma piorada), cabelereiros, esteticistas, soutiens que dão uma ajudinha na luta contra a gravidade, e por aí vai. Há quem já esteja na fase "botox", mas é uma minoria e prefiro deixar isso pra mais tarde.
A verdade é que, assim como passamos da infância para adolescência e, posteriormente, pra vida adulta, precisamos de uma adaptação. Conhecer os novos limites, aprender que o corpo já não reage muito bem àquelas misturas de antigamente envolvendo litros de cerveja com uísque. Saber que acima de tudo e de todos você precisa dormir. Passar a noite toda acordada sambando já não é mais uma opção de vida, mas talvez de morte.
Enfim, tem lá suas delícias se descobrir um tanto quanto mais poderosa e senhora de si. Lá isso tem. É uma das vantagens de se ter trinta e lá vai pedrada. Mas é uma vantagem tênue, quase esquecível quando nos deparamos com o monte de "novidades" que temos que nos adaptar. Essa (re)conciliação com a vida às vezes dói a ponto de colocarmos em risco nossos pulsos. Temos medos dos mais variados. Temos dúvidas do tamanho do universo. E menos tempo pra pensar nelas. O sentimento de urgência aumenta a cada segundo: não vai dar tempo de engravidar, não vai dar tempo de realizar os sonhos, fazer aquela viagem tão imaginada. E a casa desenhada por você com todo o carinho, será que fica pronta? E o príncipe num cavalo branco, chega? E a sensação de ser eterna, acaba?
Acaba sim. E dá medo. Medo não, dá é pavor mesmo, comparável aos medos de bicho-papão que a gente tinha na infância. Mas a gente vai vivendo. Escreve umas coisas, finge que tá super bem-resolvida, fala com um certo distanciamento e vai levando a vida, que afinal de contas taí pra ser vivida. Que a vida pra ser morrida é muito fácil. Pimba. É só tá viva e pronto.
Mas essa é uma outra história. Por enquanto continuo falando da vida e da tentativa de viver. De manter os trinta e tal em funcionamento. Cabeça erguida para os quarenta, cinqüenta, sessenta, setenta... ui, que medo!!