quarta-feira, julho 12, 2006

de panelas, vidros (inexistentes ou não), curry e panos-de-prato

Meu querido maridinho anda ensaiando feito louco. Esse mês de julho é o mês de ensaios e concertos. O que é muito bom, claro. Cachês são super-benvindos. E fazer concertos sempre é bom. Enfim, sendo assim, eu espero por ele ansiosamente durante à noite, que é quando a gente senta à mesa, janta juntos, fala mal dos outros, combina a vida.

Como boa, dedicada e amorosa esposa, resolvi ir pra cozinha preparar um incrível e fabuloso Curry de Frango (receita no próximo post). Piquei temperos, temperei o frango, refoguei. Adicionei condimentos e condimentos. Até que chegou a vez do (bendito) cominho em pó. Fica num vidrinho, junto com outros tantos condimentos. Mas tinha bem pouquinho e eu, num misto de pressa e ingenuidade, dei duas batidinhas com o vidro na beirada da panela. Na segunda batida eu ouvi algo como um crash, algo como um barulho fora do comum, algo que não era pra ter acontecido. Em frações de segundo eu saquei tudo: a porra do vidro tinha quebrado, caiu um pedaço dentro da panela. Um daqueles pedaços minúsculos que não dá pra ver mas que fazem um estrago terrível em línguas e vísceras de quem come. Pra confirmar o que meu cérebro já dera como certo, passei o dedo pela rosca do vidro e notei uma reetrância, algo como um lascadinho, algo que, segundo minha cabeça afirmava indiscutivelmente, não era pra estar ali. O pior é que o frango estava praticamente pronto, delicioso, cheirava super bem e eu não tinha mais frango nem cebolas em casa. Preparar outro estava completamente fora de questão. Além disso, a hora de Tom chegar se aproximava e eu sabia que seria infernizada para o resto da minha vida por causa disso. A sacanagem seria insuportável e inevitável. E a fome, confesso, era grande e não seria facilmente aplacada por um mísero biscoitinho.

Pensei bastante e tomei a atitude mais acertada para o momento emergencial: liguei pra mamãe. Em pânico, claro. Ela atendeu, mandou eu respirar fundo, falou pausadamente, me disse o que eu deveria fazer e eu, no desespero das horas e na certeza absoluta de que não conseguiria tirar o vidro e mataria meu marido com um pedaço de vidro minúsculo entalado em suas entranhas, falava alto, gesticulava com o telefone, dizia pra ela me passar as instruções logo, pulando as "introduções" e os "modos de fazer". Bem, depois de alguns desencontros e desentendimentos em volume, digamos, um pouco alto, conseguimos nos entender e ela me deu a idéia de coar todo o molho num pano-de-prato (limpo, claro). Depois lavar o frango coado, pedaço por pedaço, pra tirar o pedaço infâme de vidro que tinha acabado com meu jantar. Bem, tinha tentado acabar, porque eu, contra todo senso comum e óbvio, não me deixaria vencer tão facilmente, não jogaria o meu espetacular frango lata de lixo a fora.

E assim comecei num processo altamente estressante e cuidadoso de salvamento. Iniciei o passo a passo de "coagem de molho em pano-de-prato limpo". Que deixou de ser limpo e branco num segundo, claro, passando a incríveis tonalidades de vermelho-molho-de-tomate, laranja-curry e amarelo-açafrão. A cozinha, de armários, fogão, geladeira e piso brancos, também passou por uma rápida e aparentemente irreversível redecoração, com pintas e manchas em todo o ambiente (incluindo, e não me pergunte como e porquê, o teto). As minhas unhas ficaram amarelas e com um delicioso (delicioso??) aroma de curry que, descobri mais tarde, ficaria fixo por vários dias. A louça lavada e inadvertidamente deixada no escorredor, ficou completamente respingada e teve destino obrigatório pia adentro. Enfim, espremi, espremi, espremi o pano-de-prato, e consegui um líquido ainda perfumado e completamente livre de vidros do outro lado. Tinha chegado a hora crucial de lavar o frango (que estava ainda todo dentro do pano-de-prato) e descartar as cebolas em pedaços, muito transparentes e parecidas com o vidro em questão. Mas, para meu desespero total, quando abro o pano-de-prato encontro uma massaroca disforme de frango meio desfiado, meio massacrado, numa paçoca grudenta e impossível de separar das cebolas. Encontrar algum vidro ali, seria impossível e, diria mesmo, um ato de alta periculosidade.

Nesse ponto eu já tinha voltado quase ao meu estado de desespero incial. Olhei para paredes, chão, pano-de-prato, mãos, tudo com as marcas da batalha. A panela com o caldo dentro, resultado de tão ferrenha luta. E o frango inutilizado. Era hora de saber que perdi? Era hora de desistir de tudo e ligar pro Mister Pizza? Fiquei nessas divagações durante alguns instantes e, entre um pensamento e outro, abri portas de geladeira e freezer. E eis que encontro um pacote de 4 bifes congelados de contra-filé. A inspiração foi imediata e podia-se ver estampado em meu rosto um enorme sorriso de felicidade. Eu não seria abatida tão facilmente. Tirei imediatamente a carne congelada do freezer, coloquei numa vazilha com água (eu não tenho microondas e precisava apressar o processo de descongelamento, mesmo que parcial) e joguei, triunfante, todo o frango na lata de lixo. Me servi de uma taça de vinho branco, porque afinal de contas eu merecia, e parti para a finalização do jantar.

Piquei o bife ainda meio congelado, já que não dava pra esperar mais tempo, dei uma leve temperada com pimentas e sal, joguei na frigideira e deixei dorar bem. Depois tasquei o molho de curry por cima e, voilà!, tinha o prato principal do jantar pronto. Um arrozinho branco para acompanhar e minha vida havia sido salva.

Quando meu digníssimo consorte chegou em casa, nariz para o alto, farejando os aromas espalhados por todos os cômodos, me perguntou logo:
- hummm, que cheiro bom!! É curry de frango??
Eu, meio sem graça, meio sem saber se contava a verdade, meio sem conseguir esconder, respondi:
- mais ou menos...
- ué, mais ou menos como?
- bem, é curry, mas é mais ou menos de frango...
- ??? você usou só o FRAN e deixou o GO pro próximo jantar?
- não... é que eu fui temperar, quebrou um vidro dentro, eu coei, joguei o frango fora, coloquei uma carne e terminei assim um jantar maravilhoso e sofrido pra você!!
- como é que é? me conta essa história direitinho...
E contei, tintim por tintim, tudo o que tinha acontecido, as brigas com o frango, o desespero das vísceras sangrando, a idéia iluminada do bife entrando como substituto. Ele me olhando entre incrédulo e preocupado, solidário e compreensivo. Depois de tudo dito e explicado, eu já beirando as lágrimas de culpa e de vergonha, dizendo a ele que ele não precisava comer, bla bla bla, ele me pede:
- sweetie, me mostra o vidrinho que quebrou?
eu:
- claro!
E entreguei triunfante o vidrinho, vazio, de cominho na mão dele. Estava ali o vilão da minha história, o culpado por tanto sofrimento. Ele, vidrinho na mão, dedo em riste, pergunta mais uma vez:
- onde foi que quebrou?
Eu passei o dedo pela rosca do vidro mais uma vez e lá estava a reetrância, no mesmo lugar. Eu mostrei, num misto de euforia e ataque nervoso:
- tá aqui!! aqui, ó! passa o dedo!!
Ele:
- mas sweetie, isso tá me parecendo normal...
- NÃOOOOOOO, não é normal não!!! tá quebrado!! essa entradinha não era pra tá aí!!
Ele, paciente, mas tão teimoso quanto eu:
- vamos ver outro igual pra saber se está diferente?
Eu, desafiadora:
- agora!!
Abrimos outro vidro, tiramos a tampinha e, tchan tchan tchan..., a rosca era exatamente, milimetricamente, absurdamente, idêntica à do vidrinho de cominho. A reentrância, detectada pelo meu cérebro neurótico e fatalista, era exatamente igual ao do outro vidro e estava onde deveria sempre ter estado. Sabe por que? Porque nunca, em momento algum, em hora nenhuma da vida o vidro se quebrou. Tudo não passou de uma auto-sugestão que eu engoli com uma voracidade impressionante. Todo o trabalho em vão. Tudo jogado fora.

Comecei a rir e a chorar ao mesmo tempo. De qualquer modo eu fiquei muiiiiito aliviada de não ter jogado vidro moído de verdade dentro da comida. Diminui muiiito minha culpa. E ora bolas, se fiz tudo o que fiz, foi para proteger a minha família!! A mim e a meu querido maridinho!! Esse, aliás, ria de se acabar, disse que a história já tinha se trasnformado em uma lenda familiar, me fez ligar, mais uma vez pra minha mãe e decretou, com ar de brincadeira:
- você, de agora em diante, não fica mais sozinha em casa, tá? e se ficar, nada de ir pra cozinha, sim?? é para seu próprio bem...

Hummm, primeiro que desconfio seriamente de que o decreto não tenha sido tão na brincadeira e tão inocente assim... Segundo que a preocupação dele acho que não é comigo não, mas sim com o pescoço dele. Com uma mulher assim vai que na próxima, ao invés de curry até no teto, ele não encontre é teto nenhum, com a casa tendo ido todinha pelos ares!!

1 Comments:

Blogger Dulce said...

Querida, esse fato e' dadaista; pior que surreal!
Estou rindo mas, ao mesmo tempo sou solidaria, pois ja' me embrenhei por situacoes estapafurdias criadas apenas, e tao somente, pelo meu fatalistic brain.
E o mais doido desse momento aqui... acredite: Eu estou saboreando um delicioso curry de frango que acabei de fazer, enquanto leio essa estoria no seu blog. Tudo porque vim ao google procurar como e' preparada a especiaria curry. Entao, o google me trouxe ate' voce. Vejo q o post e' do ano passado mas, para mim, q estou com a boca cheia de curry de frango, ele e' bem atual.
Boa sorte em outras aventuracoes culinarias.

Abrcos,
Dulce Valverde
(docevaleverde@hotmail.com)

4:09 PM  

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